m2b - Escatologias londrinas 1

O apuro em que estava me obrigou a urinar ao lado da National Gallery, em Londres. Éramos um amigo e eu, e talvez a razão do protagonizado por nós tenha sido não a urgência da uretra, mas a consciência de que mais quarenta minutos não agüentaríamos - o tempo do trajeto dali até onde pousávamos.

Escrevo no crepúsculo, mas estou com o mote do texto a me impelir para o relato há algumas semanas, tanto que já é compromisso fazê-lo. O anoitecer, junto com a madrugada, é dos horários que mais me agradam no dia. E o xixi cultural à esquerda do famoso museu londrino foi lá pelas duas da manhã.

A primeira vez em que o fizemos foi sob muito frio e elevado receio. A menos de cem metros havia policiais e muita gente. Londres era ainda a cidade da expectativa, não da realidade. Titubeando, de olhos atentos, na penumbra, mijamos cada um de lado da rua. A neblina não muito forte - um fog meia boca - foi aditivado pela fumaça quente da minha excreção.

Havia uma construção perto de onde nos aliviamos mais duas ou três vezes. Já na segunda tentativa, o medo era menor, e isso pelo se sentir parte daquilo tudo (hoje percebo que o lugar de que sou oriundo é também "aquilo tudo"). Ainda assim, camuflávamos nosso ato inadequado e sujo.

Da terceira ida à travessa lateral, próxima ao ponto de saída dos ônibus noturnos, desta me lembro bem. Ambos tensos por conseqüências desconhecidas que, sabe-se lá, adviessem disso, ali já não éramos mais os dois que mijávamos. O que notei ao ver como urinava meu camarada.

Agachado entre um carro e um poste, na calçada escura oposta àquela em que me locupletava em bem observar meu xixi se misturar com o chão sujo da obra, estava a parceria. Ator de audácias bastante mais amplas do que as poucas que fiz, não se sentiu à vontade nas mijadas que deu na noite londrina, envolto no ar compartilhado pela arte abrigada na galeria que nos acobertava.

A vista de como se postara o tal para proceder sua precisão me era auxiliada pelo holofote a meu lado - que estivera ali em todas as cenas, mas que só me iluminou neste dia, visto que foi o único em que atentei para o óbvio.

A intensa lâmpada dentro dele me aquecia enquanto parte de meu corpo ficava à mercê do frio e me auxiliava em não respingar as calças. Tornou ainda viável que admirasse o pleno prazer daquela mijada, tendo a curva do jato e sua sombra como monumentos a minha falta de educação, quase pensando que a imagem ali constituída devesse estar um pouco mais à direita, na parte interna do prédio que me ladeava.

 

Marcos Beck Bohn
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Ler não é ver televisão
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