Markus Karlus e Kevin Rogers se conheceram no início dos anos 90 enquanto estudantes de música na Universidade de Saarbrücken, em Luxemburgo. Sem demora passaram a desenvolver vários projetos em conjunto, principalmente na área de música serial eletro-eletrônica, uma paixão em comum. Para este fim, passaram vários anos pesquisando e reunindo um sem-número de instrumentos, aparelhos, dispositivos, enfim, toda sorte de objetos mecano-eletro-eletrônicos emissores de frequências audíveis ou inaudíveis, assim como vários computadores e cérebros eletrônicos em geral que lhes possibilitassem atingir seu objetivo principal em matéria de composição: a maior peça serial já feita, construída com base em cálculos do número pi que ultrapassassem a marca de 1 bilhão de dígitos.

Durante uma dessas buscas por equipamentos que contribuíssem para tal intuito, os amigos se depararam com um pequeno Macintosh 128k, que, talvez mais por seu valor histórico, foi imediatamente adotado. Mal sabiam eles que o aparentemente inofensivo clássico continha oculto em suas entranhas um vírus, hibernante desde quando o computador fora desligado pela última vez, em 1989. Quando eles se tornaram cientes do fato, porém, já era tarde demais. O pequeno Mac já havia sido incorporado aos outros equipamentos do estúdio, e o recém-desperto vírus se alastrado por todo o complexo audio-visual que Markus Karlus e Kevin Rogers construíram com o suor de seus rostos.

Pouco ou nada se sabe a respeito desse vírus além do nome com o qual ele se apresentou aos atônitos aspirantes a compositores: Golden Shower. Talvez o longo período de hibernação ou mesmo o choque de ser retirado de tal estado após quase 10 anos tenham corrompido seu código original. O fato é que não se sabia mais quando, por quem, nem mesmo com qual objetivo ele havia sido programado. No entanto, o vírus ainda possuía um vasto conjunto de informações sobre a cultura popular da década de 80, reunidas durante seu tempo de atividade. Com base nelas ele analisou todo o ambiente cultural dos anos 90, e aparentemente não gostou do que viu. É provável que, ao se ver de súbito totalmente fora de seu tempo, Golden Shower tenha sofrido um segundo e definitivo choque, que distorceu decisivamente sua índole. Ele se tornou um trecho de código binário com um grave caso de megalomania, e um único objetivo a partir de então: remodelar o mundo ao seu redor com base nas únicas referências culturais que ele possuía, lançando-o de volta a uma era de trevas e ignorância que a humanidade julgava definitivamente enterrada desde o desmascaramento do Milli Vanilli: os anos 80.

E o instrumento para por em prática essa terrível operação encontrava-se logo ali à sua frente: os estupefatos Markus Karlus e Kevin Rogers. Sob a ameaça de verem sumariamente deletados todos os cálculos referentes à sua megacomposição, seu magnus opus, reunidos ao longo de anos de trabalho árduo, outra escolha não tiveram a não ser submeterem-se aos caprichos do vírus, tornando-se seus agentes no primeiro estágio da dominação: o território da música pop (de popular). Devido ao seu imenso talento musical e um domínio impecável do vocabulário da música pop-ular, apurado ao longo do tempo em que, para pagar os estudos, trabalharam como arranjadores e músicos de estúdio para uma gravadora especializada em boy-bands tirolesas, a dupla não poderia ser melhor testa-de-ferro humana para as intenções de Golden Shower, aqueles que iriam traduzir sua obsessão com a década de 80 em canções insidiosamente pegajosas.

E esse é apenas o começo. Uma vez consolidado seu domínio sobre a música pop-ular, o vírus Golden Shower não encontrará dificuldade em se alastrar por outras áreas tais como o cinema, a TV, a imprensa, o design e a indústria de brinquedos e jogos eletrônicos. Cientistas políticos já temem a volta da guerra fria e de um mundo novamente dividido entre Corey Feldman e Corey Haim. E enquanto isso, os desafortunados Markus Karlus e Kevin Rogers, que inadvertidamente iniciaram toda essa confusão, gostariam apenas de serem levados à sério como compositores eruditos.

 

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