Sandra Brogioni: Pioggia Dorata

Corria o ano de 1987. Eu vivia na Itália já há quatro anos e uma das coisas que eu mais curtia era poder ir aos concertos que, naquela época , nunca vinham para o Brasil. O Clash em Milão, em 84 (já sem o Mick Jones, mas não fazia mal), Everything But the Girl, Grand Master Flash, Stranglers e tantas outras coisas bacanas dos anos 80.


Eu trabalhava numa produtora de videos em Roma que fazia uns programas para a Rai, todos eles bem ruinzinhos. Aberturas intermináveis, programas lentos, enfim, uma verdadeira chatice.


Pois bem, um belo dia o meu chefe chegou com um senhor distinto que me foi apresentado como o cliente que iria trabalhar comigo naquele dia (produtoras têm um quê de bordel, não?). Iríamos editar um show e ele não era da Rai. Oba, pensei, será que vai ser algum concerto bacana? Tinha uns grupos italianos qu eeu até achava bacaninhas. Logo notei, porém, na cara do tal cliente, um ar meio constrangido. Ele pediu para conversar com o meu chefe fora da ilha de edição. Fiquei meio sem entender o que estava acontecendo quando o meu chefe entrou sozinho e disse: "temos um probleminha! o cliente está constrangido porque ele pensou que fosse editar com um homem!" A feminista dentro de mim subiu nas tamancas. Como? Não quer editar com mulher? Ele é desses que também não tomam taxi se for mulher ao volante? Não, dizia o meu chefe, é que ele disse que o show é meio forte. Forte como? Perguntava eu sempre mais emputecida. " É que é um show da Cicciolina." Cicciolina? Bárbaro! O meu chefe me olhou com uma cara tipo: "ahn?" Tive que explicar que eu já tinha visto uns 3 ou 4 filmes da fofa e que tinha me divertido muito. Perguntei que show era e ele fez de novo aquela cara de filme do Alberto Sordi. "Não sei ao certo, mas parece que ela faz uma tal de "pioggia dorata"!


Pioggia Dorata, Golden Shower, Chuva Dourada: meu deus, essa eu queria mesmo ver!


Resolvida a "questã", o cliente entrou e começamos a trabalhar. Na primeira cena, a loirinha sapeca estava no seu camarim tomando copos e mais copos de uma água mineral "levemente diurética". Filosofava sobre a vida, sobre a sua luta pelo amor livre, pela eliminação das usinas nucleares, pelo direito dos animais, yadda yadda yadda, sei lá, mil coisas.


À medida em que o trabalho progredia, o "cliente", que acompanhava tudo de um confortável sofá munido de um monitor, foi ficando um pouco mais solto. Num determinado momento, ele se tocou que o meu sotaque não era romano e arriscou perguntar se eu era de Gênova ( o dialeto genovês tem a mesma cadência d alíngua portuguesa). Eu disse que não, que era brasileria mas que já morava na Itália há vários anos. Continuei trabalhando e, depois de alguns minutos d esilêncio, senti algo que poderia ser definido como um "bafo quente no meu cangote" e ouvi a seguinte frase: "uhm, eu ouvi dizer que as brasilerias são muito infiéis." Ao me virar, já com o sangue apitando nas ventas, vi que omorfético estava num estado que poderia ser chamado de "meia-bomba."


Eu estava tão fula que na hora só consegui dizer que eu tinha namorado e que era muito fiel, sim! Mas o barraco já estava armado e eu fui direto falar como meu chefe que disse que ia falar com o cara. Resultado: colocaram outro para teminar o trabalho e tudo ficou por isso mesmo. Eu estava inconformada, menos pelo assédio que pelo fato de não ver o show inteiro.


Mas no dia seguinte, o colega que me substituíra me mostrou uma cópia que ele tinha feito.


Cicciolina canta, em várias línguas, dança até com uma cobra, mostra os peitinhos, e no fim no fim do show a famosa "GOLDEN SHOWER". Uma mijada longa, esguichada pra frente ( como ela conseguiu fazer aquilo?) , chegando a molhar quem estava nas primerias fileiras. Aplausos, assobios, o maior frege.


Sucesso total.


Naquele mesmo ano, Cicciolina, ou melhor, Ilona Staller, representante do Partido Radical, foi eleita deputada no parlamento italiano. Ficou até 92 e fez pouca coisa, como todos. Mas pelo menos ela mijou no eleitorado ANTES de ser eleita.

 

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